INTRODUÇÃO
Até meados do Séc XIX o doente mental era tratado invariavelmente com “possuído pelo demônio” e tal mal era expurgado através do “fogo purificador” das fogueiras purificadoras, que inspiraram as tão famosas fogueiras da Inquisição, não havendo, portanto, nenhuma noção do que seria uma personalidade psicopatológica naquela época. Quando então este doente mental cometia algum ato criminoso era cassado e punido com requintes de crueldade, atribuindo à possessão demoníaca os seus atos criminosos. A partir daí com o surgimento a doutrina clássica passa a sugerir uma justa proporção entre a pena e a gravidade do delito praticado, afirmando que a finalidade da pena não é de atormentar e afligir um ser humano, desfazer um delito já cometido, nem tampouco proporcionar vingança aos envolvidos diretamente com o caso nem para a sociedade como um todo, mas impedir o réu de cometer novos erros de conduta com relação à sociedade e demover outros de fazê-lo. Focando a partir daí a humanização do preso e finalidade reeducativa da pena os operadores da justiça juntamentente com as novas ciências sociais recém-surgidas, trazem à luz da sociedade um novo enfoque com relação ao psicologicamente afetado no contexto jurídico-social, oferecendo novas terminologias inclusivo, entre elas o conceito de Culpabilidade e a Imputabilidade penal como uma de suas componentes que faz o indivíduo psicologicamente afetado irresponsável pelos atos ilícitos cometidos, ora por não ter consciência do que pratica, ora por não ter liberdade de agir de forma diferente daquela por força de sua psicopatologia. Hoje ao apresentarmos através deste trabalho, de forma sucinta, uma exposição acerca do tecnicismo psicológico do assunto ao apresentarmos as formas de psicopatologias mais comuns e posteriormente o seu enfoque jurídico, tentaremos clarear um pouco esta vereda tão obscura que é o entendimento das psicopatologias na composição do conceito de imputabilidade como componente da culpa em tempos contemporâneos.
CAPÍTULO I – O CRIME COMO ATO INTELECTUAL
A natureza do crime cometido pelo doente mental, suas motivações e origens sempre será um grande enigma para a maioria da sociedade, pois a situação do alienado mental quando da prática de um ato criminoso e seu aspecto de entendimento ao momento do ato e, via de regra, desconsiderado pela comunidade em geral, que no seu juízo de valor considera apenas de forma empírica a natureza do ato e não suas motivações.
Atualmente, há a compreensão de que o ato criminoso é um momento intelectual, ligado ao fato do indivíduo ter ou não a capacidade de auto determinar-se, conforme é estabelecido pelo código penal: “Isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado era, no tempo da ação ou da omissão inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar de acordo com esse entendimento” (CP, Art 22) Um dos maiores frutos dessa nova compreensão de crime é passar a conceituá-lo como “comportamento desviante”, o que obriga o julgador a ver no autor de um ação penal ilícita sua realidade sócio-bio-psicológica, havendo então o entendimento de ser a pena uma medida de prevenção a novas ações criminosas, bem como na exclusão da culpa através do conceito de inimputabilidade. Como proceder então com indivíduo que possuem desvios de ordem psíquica que os transformam às vezes em verdadeiras máquinas de matar, violentar ou de produzir barbaridades inimagináveis? A simples reclusão num presídio qualquer não será capaz de curar o doente mental de sua patologia. O direito, diante da complexidade desse assunto, busca auxílio na psicologia na tentativa de compreender as ações criminosas concretizadas pelo doente mental e separá-las do crime cometido por pessoa comum, no intuito senão de recuperá-lo, mas também de impedi-lo de cometer crimes novamente, mantendo-o sob guarda permanente, no caso de patologias irrecuperáveis.
CAPÍTULO II – PERSONALIDADES
2.1 – Biotipologia Criminal
Sem sombra de dúvida que as doutrinas do temperamento de Krestschmer e dos biótipos de Nicola Pende Trouxeram valia ao estudo das variações de características individuais e, igualmente, para a compreensão das formas de conduta que em determinados casos, conduzem ao fenômeno delinquencial.
As características biológicas, a sensibilidade ou receptividade diante das contínuas influências éticas do ambiente em que permanece o indivíduo são de grande interesse, já reconhecidamente na esfera criminológica.
A biotipologia criminal desdobra-se em três importantes vertentes: uma que adota a corrente de Krestschmer, outra que acompanha a orientação de Pende e ainda uma terceira que acompanha o pensamento de Gustav Jung.
2.1.1 – Ernest Krestschmer
Para Krestschmer o caráter advém do somatório de peculiaridades biológicas e da personalidade do indivíduo, desenvolvendo-se através de fatores externos que atuam permanentemente, mas sem transformá-lo por completo.
Defendendo a relação entre a estrutura do corpo e o caráter, o sistema classificatório de Krestschmer ainda é adotado apesar de algumas modificações.
Ele filtrou três tipos de Personalidade relacionadas ao tipo físico do indivíduo:
Relação entre tipo físico e tipo de personalidade segundo Kretschmer
2.1.2 – Nicola Pende
Fundiu os conceitos morfológicos e fisiológicos num resumo que iguala a resolução das estruturas corporal, funcional-endócrina, psicológica e da hereditariedade do indivíduo.
Em sua teoria biocriminogenética, revela que no ser humano como conjunto unitário indivisível, sofre em seus aspectos, influência dos fatores orgânicos ou fisiológicos.
Pende apresenta cientificamente que a personalidade normal não depende obrigatoriamente do bom funcionamento das glândulas endócrinas, mas frisa, entretanto, que o mau funcionamento pode levar à anormalidade.
Fixou as chamadas “leis de correlação somato-psíquica”:
TEMPERAMENTO = Hábito estrutural + mau funcionamento dos sistemas glandular-endócrino e nervoso vegetativo.
CARÁTER = Temperamento + estruturas orgânica e cerebral.
INTELIGÊNCIA = Caráter + estrutura física formadora do indivíduo.
SISTEMA GLÂNDULAR-ENDÓCRINO + SISTEMA NERVOSO VEGETATIVO =
Hábito + temperamento + caráter + tipo de inteligência.
2.1.3 – Gustav Jung
Na área do temperamento divide os tipos em introvertidos e extrovertidos:
INTROVERTIDOS: reservados, melancólicos, tímidos, em permanente defensiva e com grande dificuldade de convívio social.
EXTROVERTIDOS: alegres, comunicativos, objetivos, de fácil adaptação e com capacidade de se relacionar com um grande número de pessoas.
CAPÍTULO III – PERSONALIDADES PSICOPÁTICAS
De uma forma simples podemos definir personalidade como a hegemonia mental e emocional da pessoa moral, hegemonia determinante de sua individualidade. É a maneira estável de ser, de uma pessoa que a distingue da outra.
Por outro lado são vários os conceitos e definições sobre a personalidade psicopática. São vários os tipos psicopáticos, porém os tipos que interessam ao nosso trabalho e ao Direito (Penal) são esses: Hipertímicos, Fanáticos, Explosivos, Supervalorizadores do Eu, Atímicos e Hipobúlicos. Segundo a criminologia os psicopatas hipertímicos tendem à difamação, à indolência e a fraude; os fanáticos praticam o delito político; os explosivos o delito contra a pessoa; os atímicos o assassinato, o latrocínio e o terrorismo; os supervalorizadores do eu praticam a injúria, a calúnia e fraudes; os hipobúlicos cometem furto, fraudes e apropriações indébitas.
Ainda que não haja um consenso amplo sobre o que seja o transtorno mental, normalmente se caracterizam as personalidades psicopáticas por sua imaturidade emocional e infantilismo, com acentuados defeitos de julgamento e impermeabilidade à experiência. Do ponto de vista da medicina legal os indivíduos com personalidade psicopática são conhecidos como fronteiriços (limiares). Entretanto, seus impulsos criminais mais raramente se apresentam como absolutamente irresistíveis, e nenhum deles é incapaz de distinguir o certo e o errado.
Para o Direito Penal são considerados SEMI-IMPUTÁVEIS, no entanto podem ter a pena reduzida e em outros casos uso da medida de segurança. São vários os tipos de personalidades psicopáticas, podendo ser: instáveis, paranóides, hiperemotivos, ciclóides, hipoemotivos, pariômanos, obsessivo-compulsivos, passionais, perversos (amorais), instintivos (sexuais), epiléptóides (explosivos), histéricos e mitomaníacos.
É importante salientar que, embora possuam várias classificações as personalidades psicopáticas podem misturar-se no mesmo indivíduo, dando origem ao surgimento de personalidades psicopáticas de tipos ou traços mistos.
CAPÍTULO IV – NEUROSES
De acordo com o diagnóstico clássico Neurose é o conjunto de conflitos que lavram no interior do nosso eu, inconscientemente em sua grande parte, entre o medo, a ira, os sentimentos de culpa e a necessidade de amor. Entre suas formas mais importantes podemos destacar a neurose obsessiva, a histeria, a neurastenia constitucional e adquirida, a neurose de ansiedade, etc. Em certos indivíduos limítrofes (sob a linha divisória da neurose e da psicose) as perturbações dessas funções básicas podem ser parciais, transitórias ou flutuantes.
As neuroses são distúrbios psicológicos menos severos que as psicoses, mas suficientemente graves para limitar o ajustamento social e a capacidade de trabalho do indivíduo.
Os sintomas neuróticos são numerosos, incluindo manifestações psíquicas, neurológicas e viscerais. Na prática, esses sintomas se apresentam associados, constituindo diversas síndromes neuróticas. Os sintomas psíquicos mais comuns são a ansiedade, a angústia, as fobias, a apatia, as idéias hipocondríacas, etc.
Na neurose o indivíduo reconhece que está doente e procura melhorar ou sarar, já na psicose o indivíduo não percebe sua enfermidade, pois está alterada sua capacidade de diferenciar experiência subjetiva e realidade.
Podemos dividir as neuroses em quatro tipos: neurose obsessiva, neurose histérica, neurose de ansiedade e neurose adquirida. As neuroses determinam sempre a IMPUTABILIDADE.
CAPÍTULO V – PSICOSES
Tradicionalmente as psicoses podem ser divididas em dois grupos: psicose orgânica e psicose funcional.
A psicose orgânica é a doença cuja origem decorre de algum germe patogênico, de alguma lesão no cérebro ou, então de desordem fisiológica, tudo sem conotação hereditária. Exemplos: demência senil, psicose sifilítica, psicose alcoólica, etc.
A psicose funcional é o distúrbio total da personalidade, é desordem mental, quando o psiquismo em sua estrutura global, no seu todo, fica temporária ou permanentemente danificado. Exemplo: esquizofrenia, ciclofrenia e a epilepsia genuína. A psicose funcional é que nos interessa neste trabalho sobre imputabilidade, pois é também de grande importância ao Direito, principalmente no Direito Penal, Criminologia e Medicina Legal.
As psicoses (alienações) são responsáveis pela desintegração da personalidade do indivíduo e pelo seu conflito com a realidade. Trata-se de doenças caracterizadas por desordens cognitivas mais graves que trazem consigo delírios e alucinações, oportunidade em que o enfermo torna impossível o convívio social ou familiar, devendo permanecer sob vigilância para evitar que provoque danos físicos em si próprio ou em terceiros.
As psicoses se dividem em: paralisia geral, demência senil, psicoses epiléticas (epilepsia), psicoses esquizofrênicas (esquizofrenia), psicoses paranóicas (paranóia), e as psicoses maníaco-depressivas. As psicoses podem determinar a IMPUTABILIDADE ou a SEMI-IMPUTABILIDADE.
CAPÍTULO VI – OLIGOFRENIAS
Oligofrenia é o termo usado para definir as chamadas paradas do desenvolvimento intelectual, no sentido geral oligofrenia define, todo o conjunto de estados deficitários, congênitos ou precocemente adquiridos, da atividade psíquica.
Oligofrênico ou deficiente mental é todo indivíduo cuja inteligência se mostre originalmente pequena em relação aos demais indivíduos da mesma idade mesmo vivendo em idênticas condições socioeconômicas e culturais.
Durante algum tempo acreditava-se que a deficiência mental contribuía exaustivamente na gênese do crime. Alguns teóricos do assunto insistiam na íntima relação da oligofrenia com o delito. Hoje esta idéia é insustentável, visto ser reconhecido que a deficiência mental é um simples estado anormal.
As causas da deficiência mental não são possíveis de serem verificadas em 25% dos casos. Várias são as causas das oligofrenias: sífilis, alcoolismo, abalos morais reiterados durante a gravidez, perturbações endócrinas, traumatismos do nascimento, etc.
O grupo dos oligofrênicos compreende três subgrupos: a idiotia, a imbecilidade e a debilidade mental. Normalmente os oligofrênicos são considerados INIMPUTÁVEIS ou SEMI-IMPUTÁVEIS.
CAPÍTULO VII – PERSONALIDADES DELINQUENTES
As Personalidades delinqüentes são aquelas que são determinadas por defeitos de caráter.
Um dos frutos da Escola Positiva foi o surgimento da criminologia, que procura estudar as origens do crime e as formas de evitá-lo, assim como o dever da pena que para o direito tem a finalidade de impedir o réu de cometer novos crimes contra a sociedade e impedir outros de fazer a mesma coisa, mas como a justiça deve proceder quando os indivíduos em questão possuem moléstias psicológicas tão graves que os transformam em verdadeiros monstros assassinos?
O direito Penal procura buscar respostas com o auxílio de outras ciências, na tentativa de entender a mente criminosa e a personalidade delinqüente, estipular penas para tais indivíduos não é uma tarefa simples que se torna ainda mais difícil diante da confusa personalidade de um doente mental.
Este tipo de personalidade tem um particular sentido de liberdade, para estes indivíduos ser livre é poder fazer sem impedimentos o que quiser sem inibições, repressões e limitações internas e externas, mesmo que este desejo seja de matar incessantemente.
Os delinqüentes portadores de moléstias mentais são aqueles que foram acometidos por alguma psicose. É a categoria das doenças mentais caracterizadas por desordens cognitivas tão severas que o ajustamento social se torna impossível, tanto que este paciente precisa ficar sob vigilância médica constante, a fim de não cometer atrocidades a si próprio nem à sociedade.
CONCLUSÃO
Ainda que a psicologia humanize a justiça, trazendo à luz do juízo conceitos como a inimputabilidade, que de forma sintética poder ser verificada como uma insuficiência das faculdades mentais, a alteração mórbida das faculdades mentais ou um estado de inconsciência de juízo necessários para a compreensão do aspecto criminoso do ato e para a pessoa auto determinar-se e dirigir suas ações. Podemos observar que as estatísticas oficiais demonstram que comparando os alienados delinqüentes com os delinqüentes não alienados, aqueles têm, proporcionalmente muito mais histórico de por crimes violentos, além disso, estudos mostram que os psicologicamente perturbados também são notórios pela violência intracarcerária. Agressão e violência têm sido compreendidas como traços das personalidades afetadas, respostas aprendidas no ambiente, reflexos estereotipados de determinados tipos de pessoas, e também como reações psicopatológicas. O que fazer então diante do dilema exposto: pois de um lado a sociedade clama invariavelmente por vingança e de outro lado o estado tem o dever de fazer justiça, excluindo a culpabilidade do inimputável e garantindo-lhe um tratamento adequado, vizando sempre a sua recuperação, se possível. Então o que fazer? Pois se em face de doentes com graves alterações de comportamento, em que a dedução sobre a sua total ausência de liberdade de agir de modo diverso é tão evidente que a atribuição de responsabilidade a este indivíduo recai na inimputabilidade inquestionável. E também há o caso de situações onde há uma diminuição da responsabilidade em que o indivíduo não é completamente responsável, porém o ato criminoso emerge da sua personalidade, dos seus desejos, mesmo afetados pela psicopatia. Sob o ponto de vista clínico há certa clareza de idéias a este respeito, porém sob o ponto de vista jurídico-moral-ético, existe um grande dilema a ser solucionado pelos operadores e doutrinadores do direito. Talvez em um futuro próximo o estado possa chegar a um bom termo acerca desse tema, e principalmente desenvolver meios de assistir a esses indivíduos afetados de forma mais completa e digna, bem como dar satisfações mais aceitáveis à sociedade.
Davi França/trabalho feito para o curso de direito